O Código do Prejuízo: por que dobramos a aposta no erro
A Ilusão da Racionalidade
Você acredita que toma decisões racionais. Lógicas. Baseadas em dados. Contudo, essa convicção é, na maior parte do tempo, uma perigosa ilusão. Em tecnologia, onde a complexidade e a incerteza dominam, insistimos em nos ver como arquitetos de um futuro deliberado. A verdade, no entanto, é muito mais desconfortável: quanto mais você investe tempo, código e capital em uma má decisão, mais inteligente parece continuar investindo.
Esse é o status quo. A cultura que aplaude a persistência cega e confunde teimosia com visão. Portanto, quando um projeto consome sprints, desvia recursos do pipeline e falha em atingir qualquer métrica de sucesso, sua reação instintiva não é recuar. Pelo contrário, você dobra a aposta. Afinal, você já chegou tão longe. Desistir agora seria um desperdício, certo? É precisamente essa lógica que garante o desastre.
O Vórtex do Comprometimento Irrevogável
Isso não é apenas um sentimento, é um viés cognitivo documentado e devastador. Pense no Concorde. Os governos britânico e francês injetaram $2.8 Bilhões em um avião supersônico que, já no início, se mostrava comercialmente inviável. Ainda assim, continuaram a financiar o projeto por 27 anos. Eles estavam atolados até o pescoço na lama, como descreveu Barry M. Staw em seu estudo seminal de 1976 sobre a escalada do comprometimento.
Embora muitos ignorem este bug fundamental em nosso sistema operacional mental, a realidade, fundamentada nos trabalhos de Daniel Kahneman e Amos Tversky, mostra que a dor da perda é psicologicamente duas vezes mais poderosa que o prazer de um ganho equivalente. Consequentemente, para evitar a dor de admitir um prejuízo, nós nos tornamos irracionais. A consequência direta é que continuamos a alocar recursos valiosos para justificar os investimentos passados, resultando em um ciclo vicioso que transforma pequenos erros em falhas catastróficas. É a dissonância cognitiva em ação: a decisão precisa ter sido correta, portanto, a única solução é investir mais para provar isso.
Desmontando o Código do Prejuízo
A boa notícia é que podemos descompilar essa falha. Ao conectar os pontos entre finanças comportamentais e a psicologia da gestão de produtos, emerge uma nova ordem, um framework para a lucidez em meio ao caos.
O Efeito Disposição: Vendendo Ouro, Acumulando Lixo
O Sunk Cost Fallacy não age sozinho. Seu cúmplice mais perigoso é o Efeito Disposição: a tendência de vender ativos vencedores cedo demais e segurar os perdedores por tempo indefinido. Em tecnologia, isso se traduz em descontinuar uma feature promissora para realizar um ganho rápido de performance, enquanto mantemos um serviço legado, caro e problemático, simplesmente porque “investimos demais para desligá-lo agora”.
Isso ocorre porque, como a Teoria da Perspectiva de Kahneman e Tversky demonstra, somos avessos ao risco quando se trata de ganhos, mas buscamos o risco para evitar perdas. Além disso, vender um “vencedor” nos dá uma injeção de orgulho e a sensação de sucesso. Por outro lado, admitir a perda em um projeto “perdedor” é psicologicamente doloroso. Consequentemente, vendemos nossas ações da Amazon em 2005 para garantir um lucro modesto, mas mantemos aquele projeto zumbi no portfólio, esperando um milagre.
Contabilidade Mental vs. Lógica de Portfólio
Cada projeto em que investimos abre uma “conta mental” em nosso cérebro. O problema é que odiamos fechar qualquer uma dessas contas no vermelho. Essa visão isolada, que trata cada iniciativa como uma aposta única e existencial, é o caminho mais curto para a ruína. Em vez disso, a nova ordem exige pensamento de portfólio.
Você não está fazendo uma única aposta. Você está gerenciando um portfólio de dezenas de apostas: features, produtos, contratações, arquiteturas. A maioria, estatisticamente, vai falhar ou ter um retorno medíocre. O sucesso do portfólio não depende de evitar falhas, mas de garantir que os poucos acertos sejam exponenciais o suficiente para cobrir todas as perdas. Nesse sentido, matar um projeto que não funciona não é um fracasso; é uma realocação estratégica de capital para as apostas com maior potencial de retorno.
O Reboot da Decisão
Entender o viés é o primeiro passo. Contudo, o conhecimento sem ação é inútil. É hora de instalar um novo sistema operacional decisório. Comece amanhã.
- Execute a Auditoria do “Custo Zero”: Reúna sua equipe e liste todos os projetos “walking dead” — aqueles que se arrastam sem entregar valor claro. Para cada um, faça a única pergunta que importa: “Se este projeto não existisse hoje, nós o iniciaríamos do zero com os recursos atuais?”. Se a resposta for “não”, você tem sua
kill signal. A decisão de continuar deve ser baseada apenas nos custos e benefícios futuros. - Implemente “Circuit Breakers” de Decisão: Para cada nova iniciativa, defina KPIs de sucesso e, mais importante, de fracasso, antes de iniciar o primeiro sprint. Estabeleça regras claras: “Se a métrica X não for atingida em Y semanas, o projeto é pausado para reavaliação ou descontinuado”. Isso remove a emoção da equação e a substitui por um framework lógico e automatizado.
- Adote o “Broad Framing”: Abandone a contabilidade mental de uma vez por todas. Recompense equipes pela coragem de matar projetos com base em dados, não apenas por lançá-los. Internalize o mantra dos investidores de elite: “Você ganha alguns, você perde alguns”. O objetivo não é estar certo em todas as apostas. O objetivo é construir um sistema que garanta que, no agregado, suas vitórias sejam massivas o suficiente para tornar as perdas irrelevantes.
Referências & Bibliografia
How the sunk cost fallacy influences our decisions (Asana)
Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases (Tversky & Kahneman)
The Sunk Cost Fallacy: How It Affects Your Decisions (Verywell Mind)
How To Avoid Emotional Investing (Investopedia)
Disposition Effect (The Decision Lab)
The Psychology of Angel Investing: Why Smart People Make Bad Investment Decisions (Hustle Fund)
Sobre o autor
- Sólida experiência em Metodologias Ágeis e Engenharia de Software, com mais de 15 anos atuando como professor de Scrum e Kanban. No Governo do Estado do Espírito Santo, gerenciou uma variedade de projetos, tanto na área de TI, como em outros setores. Sou cientista de dados formado pela USP e atualmente estou profundamente envolvido na área de dados, desempenhando o papel de DPO (Data Protection Officer) no Governo.
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