Como chegar neste equilíbrio: Variedade do Ambiente = Variedade Organizacional

Conforme nossos modelos mentais mudam, criamos diferentes regras de decisão e mudamos a estratégia e a estrutura de nossas organizações. As mesmas informações, filtradas e processadas por meio de uma regra de decisão diferente, irão produzir um efeito diferente.

Atrasos de tempo entre a tomada de uma decisão e seus efeitos sobre o estado do sistema são comuns e particularmente problemáticos. Obviamente, atrasos reduzem o número de vezes que se pode circular em torno do ciclo de aprendizagem, retardando a capacidade de acumular experiência, testar hipóteses e melhorar.

Stafford Berr desenvolveu na década de 50 o Modelo de Sistema Viável (VSM) que buscava explicar como as organizações criam a viabilidade, que é a capacidade de existir e prosperar em ambientes às vezes imprevisíveis e turbulentos.


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Um dos princípios do sistema era que as organizações deveriam aumentar a autonomia dos seus colaboradores para lidar com a variedade existente no ambiente. Essa é uma das teorias que foram utilizadas por Beer para dar corpo ao seu sistema: a Lei da Variedade de Requisitos de Ashby.

Isso significa que em ambientes complexos são necessárias organizações suficientemente complexas para atender a esses ambientes. Precisamos também de certa variedade na gestão para fazer frente a variedade organizacional.

Uma das formas que Ashby coloca para que a gestão atenue a variabilidade da organização é aumentando a autonomia dos times e departamentos. Só com mais autonomia, a organização será capaz de lidar com os distúrbios do ambiente a qual se encontra.

Um exemplo interessante que gosto sempre de contar em sala de aula para exemplificar como a variedade do ambiente influencia na variedade organizacional e o da indústria automobilística, principalmente envolvendo três gigantes da gestão: Henry Ford, Alfred Sloan e Taiichi Ohno.

A famosa frase de Henry Ford documentada no livro “My Life and Work” de Henry Ford em colaboração com Samuel Crowther escrito em 1922:

“Any customer can have a car painted any colour that he wants so long as it is black.”

“Qualquer cliente pode ter um carro pintado de qualquer cor que ele queira, desde que seja preto.”

Foi dita em uma reunião em 1909 pelo próprio Ford em relação ao futuro em que produziriam apenas um modelo, o Modelo T com o mesmo chassi para todos os carros. Ele completa dizendo que todos teriam a mesma cor: preta.

A produção do Modelo T foi o primeiro carro produzido em massa no mundo. A filosofia de Ford estava de acordo com os princípios da manufatura de Taylor, que defendia firmemente o controle gerencial. Taylor afirmava que uma das funções da administração era controlar as práticas de trabalho para reduzir a proliferação da variedade. A variedade na época era pequena e não trazia tantos distúrbios. Era possível tal limitador da construção de apenas um carro e uma cor. O mercado não demandava muita coisa além disso.

Segundo a linha taylorista o objetivo era o controle do trabalho. Por muitos anos foi visto como uma abordagem que inibe a inovação e principalmente a mudança. Hoje essa abordagem é completamente inútil, mas nem sempre foi assim.

O sucesso impressionante do Modelo T de Henry Ford, ou seja, 15 milhões foram feitos entre 1908 e o final da década de 1920, numa época em que a maioria dos modelos de outros fabricantes eram produzidos em centenas ou menos – prova o quão bem-sucedida foi a abordagem de Taylor.

Então uma pergunta que fica é: o que mudou? Na verdade , no cenário descrito duas coisas precisaram acontecer. Uma foi internamente as organizações. A complexidade da tecnologia e as habilidades das pessoas mudaram. No início do século XX, estimou-se que 95% dos trabalhadores não podiam fazer seu trabalho tão bem quanto seu chefe imediato. No início do século XXI, estima-se que essa estatística tenha praticamente se invertido, de modo que 95% dos trabalhadores podem fazer seu trabalho melhor do que seu chefe. Era muito comum, quando uma fábrica do século XX precisava nomear um novo supervisor para uma oficina mecânica, eles simplesmente promoviam o melhor operador de máquina que trabalhava na oficina. Como os mais qualificados eram promovidos, é claro que eles poderiam fazer o trabalho melhor do que sua equipe. Neste caso, na abordagem taylorista, os gerentes ditavam a conduta do o que e o como deveria ser feito.

A segunda coisa que mudou foi o ambiente. Nenhuma montadora hoje em dia poderia sobreviver de forma realista, muito menos prosperar para se tornar o maior fabricante de automóveis do mundo se estivesse preparada para oferecer carros em uma única cor. Henry Ford travava o mercado como sendo homogêneo em relação à demanda. Ford apostou na simplificação e padronização do processo produtivo – a solução de Taylor.

A organização foi então capaz de corresponder à complexidade das necessidades do mercado, tratando os clientes como se fossem os mesmos e oferecendo um produto simplificado em grande número. Onde havia diferenças nas necessidades do cliente, elas não foram tratadas nem muito menos atendidas pela Ford.

Para a Ford, o sucesso nos negócios veio do equilíbrio certo de complexidade em ambos os lados da equação entre a empresa e seu ambiente.

Acontece que essa equação não ficaria estável para sempre. A diversidade e as necessidades dos clientes aumentaram. O ambiente ficou mais complexo. O mercado já não era mais o mesmo e a demanda por carros de diferentes tamanhos, cores, estilos começou a emergir. Aqui entra o nosso segundo gigante da gestão: Alfred Sloan.

Para lidar com este problema, Sloan desenvolveu o modelo de organização divisional que foi usado pela General Motors. A estrutura organizacional da GM passa a ter unidades específicas, cada uma com sua própria marca e com a tarefa de atender a um segmento de mercado específico.

O aumento da complexidade do ambiente de mercado foi acompanhado por um aumento correspondente na complexidade da organização e, assim, a equação entre as operações e o ambiente foi novamente equilibrada.

A GM impulsionou a autonomia dos setores. Deu aos seus trabalhadores condições de lidar com a complexidade e a variedade do mercado. Essa autonomia levou a GM a se tornar a maior fabricante de automóveis no mundo.

Nosso terceiro gigante da gestão chama-se Taiichi Ohno. O próximo reequilíbrio aconteceu com a criação do Sistema Toyota de Produção. A Toyota então ultrapassa a GM e se torna a maior fabricante de veículos do mundo.

Liker no livro 14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo afirma que a Toyota apresenta o mais rápido processo de desenvolvimento de produtos no mundo. Novos carros e caminhões levam menos de 12 meses para serem criados, enquanto os concorrentes precisam de pelo menos dois ou três anos.

A Toyota inverteu toda uma lógica de produção. Colocou o cliente e a definição de valor no centro da sua filosofia. Saiu do sistema empurrado para o sistema puxado e trabalhou diuturnamente na eliminação de desperdícios e na entrega de qualidade.

O DNA do sistema Toyota de produção não é nenhum elemento individual, mas o mais importante é ter todos os elementos reunidos como um sistema. Eles devem ser postos em prática de uma maneira sistemática e nada de forma isolada.

O desenvolvimento do pensamento sistêmico é um processo de aprendizagem de ciclo duplo (Argyris) em que substituímos uma visão reducionista, parcial, estreita e de curto prazo por uma visão dinâmica, holística, ampla e de longo prazo para em seguida podermos redesenhar nossas instituições.

Não sabemos nada sobre nosso comportamento. O que nós recebemos são os efeitos do feedback das nossas ações. Nos comportamos de tal maneira esperando uma certa precisão de feedback, entretanto ele poderá vir ou não. Cabe a nós mudar o comportamento em busca do objetivo desejado.

Forrester (1961), afirmou que todas as decisões (incluindo a aprendizagem) ocorrem em contexto dos ciclos de feedback.

As organizações são muito mais complexas em termos dos seus sistemas de controle do que imaginamos.

Todo o sistema se tornará instável se um único nível não puder atenuar a variedade que entra por outro canal. Se o equilíbrio ou a condição de homeostase for perdida, a organização corre o risco de colapso.

Beer ainda afirma que as unidades operacionais devem ser tão autônomas quanto possível e o trabalho da administração é fornecer condições para que isso aconteça.

O sistema existe de qualquer maneira, funcione ou não. E o truque é tornar-se consciente de seu funcionamento, vendo como as coisas mudam, cada vez que passam por você.

Referências:

ARGYRIS, Chris. Double-Loop Learning, Teaching, and Research. Academy Of Management Learning & Education, [S.L.], v. 1, n. 2, p. 206-218, dez. 2002. Academy of Management. http://dx.doi.org/10.5465/amle.2002.8509400.

ASHBY W.R. (1958) Requisite variety and its implications for the control of complex systems, Cybernetica 1:2, p. 83-99.

BEER, Stafford. Brain of the Firm. 2. ed. New York: John Wiley & Sons, 1972.

BEER, Stafford. The Viable System Model: its provenance, development, methodology and pathology. The Journal Of The Operational Research Society, [S.L.], v. 35, n. 1, p. 7-25, jan. 1984. JSTOR. http://dx.doi.org/10.2307/2581927.

FORD, Henry. My Life and Work. Garden City / Ney York: Doubleday, Page & Company, 1923. In Collaboration with Samuel Crowther.

FORRESTER, Jay W.. Industrial Dynamics. Massachusetts: The M.I.T. Press, 1961.

LIKER, Jeffrey K.. O Modelo Toyota: 14 princípios de gestão do maior fabricante do mundo. Porto Alegre: Bookman, 2005.

Sobre o autor

Rodrigo Zambon
Sólida experiência em Metodologias Ágeis e Engenharia de Software, com mais de 15 anos atuando como professor de Scrum e Kanban. No Governo do Estado do Espírito Santo, gerenciou uma variedade de projetos, tanto na área de TI, como em outros setores. Sou cientista de dados formado pela USP e atualmente estou profundamente envolvido na área de dados, desempenhando o papel de DPO (Data Protection Officer) no Governo.
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